TU ÉS O GLORIOSO – 31
Por Auriel de Almeida – Historiador
No dia 15 de novembro de 1972, Botafogo e Flamengo se enfrentaram no Maracanã. O jogo era válido pela primeira fase do Campeonato Nacional, e estava cercado de expectativas pelos flamenguistas: o Rubro-Negro fazia 77 anos, e nada como uma vitória em um clássico para comemorar. Só que o Alvinegro se mostrou o pior dos convidados… e o resultado foi inesquecível!
O Jogo
O Flamengo, ao contrário do que alguns supõem pelo placar final, não era nenhum timinho. O Rubro-Negro possuía um esquadrão respeitável, recheado de jogadores campeões brasileiros pelo Botafogo em 1968 – Rogério, Humberto, Moreira, Chiquinho Pastor e Paulo Cézar – e era treinado por Zagallo, campeão da Copa do Mundo de 1970 com a Seleção Brasileira e várias vezes vencedor no comando do Alvinegro, de 1967 a 1970. E o Flamengo, ainda por cima, havia acabado de conquistar o Campeonato Carioca. O Botafogo, no papel, era apenas ligeiramente melhor, e tinha Sebastião Leônidas, aposentado no ano anterior no Alvinegro, como treinador iniciante.
A partida começou bem disputada, com duas chances para cada lado já nos primeiros minutos. Pelo Bota, Marinho Chagas driblou Moreira, limpou o lance e chutou forte em cima de Renato, que não conseguiu segurar. No rebote, Carlos Roberto pegou mal na bola e isolou, da marca do pênalti. Logo em seguida o Fla respondeu com Rodrigues Neto, em lance idêntico ao de Marinho, mas o goleiro Cao não soltou, guardando a bola com segurança. Pouco depois Fio fez ótimo cruzamento na área alvinegra, Humberto errou o tempo da bola e Osmar tirou, afastando o perigo. E no ataque seguinte Jairzinho fez grande lançamento para Ademir, que na hora de chutar foi prensado por Moreira, e a bola apenas saiu pela linha de fundo. Tudo isso em apenas seis minutos.
Mas o panorama mudou completamente após o primeiro gol do Botafogo, conquistado por Jairzinho aos nove minutos. Carlos Roberto recebeu de Jair, na entrada da área, e chutou forte, de meia-altura. Renato não conseguiu encaixar a bola e deu rebote, que o Furacão da Copa aproveitou: 1 a 0 para o Glorioso. O gol deixou o Flamengo nervoso, e a equipe da Gávea começou a errar passes em demasia, permitindo que o meio-de-campo alvinegro de Carlos Roberto e Nei Conceição começasse a dominar o setor. Zanata, que não conseguia acertar duas jogadas seguidas pelo meio, e Rogério, perdendo todas na ponta-direita, eram irreconhecíveis, deixando a torcida flamenguista desesperada.
Em uma das poucas chances reais dos rubro-negros, Paulo Cézar deixou Humberto na cara do goleiro Cao, mas o atacante conseguiu desperdiçar o gol feito. Minutos depois Jairzinho sofreu falta a dois passos da área. Na cobrança, Marinho Chagas disparou um petardo que sacudiu as traves de Renato, antes de sair pela linha de fundo. Minuto a minuto o domínio do Alvinegro crescia, e o segundo gol parecia questão de tempo.
Aos 35, a zaga botafoguense interrompeu um ataque rival e passou a bola para Nei Conceição, que imediatamente serviu Jairzinho. O Furacão avançou, passou por Tinho, depois por Chiquinho e cruzou para Zequinha, que ao invés de cabecear para o gol tocou para trás. Fischer, que acompanhava a jogada, chutou de primeira, sem deixar a bola tocar no chão, num gol magnífico: 2 a 0 para o Botafogo. O Flamengo, que já parecia um pouco perdido, sumiria de vez.
O terceiro gol do Glorioso saiu aos 42 minutos, novamente com Fischer. O argentino recebeu cruzamento de Zequinha, da direita, e mesmo marcado por Chiquinho conseguiu cabecear, na saída de Renato. E com 3 a 0 no placar ao fim do primeiro tempo, podia-se dizer que a partida já estava ganha, especialmente em uma época afeita a placares mínimos.
Mas o Botafogo queria mais. Mostrando a mesma disposição na etapa final, como se o jogo ainda estivesse em 0 a 0, os alvinegros continuaram dominando o adversário, que havia trocado Zanata e Rogério por Mineiro e Caio, o que não fez nenhuma diferença. Após perder duas chances claras com Jair e Zequinha, o time da Estrela Solitária fez o quarto aos 25 minutos, quando Zequinha cruzou para o meio da área, Fischer abaixou, e Jairzinho, marcado, matou e carregou a bola no peito, girou, deixou cair no chão e fuzilou o gol de Renato. Um lindo ponto, digno do craque. A vitória já era por goleada.
O Flamengo ficou ainda mais em apuros aos 28, quando o zagueiro Tinho sofreu uma distensão e precisou sair, deixando o time com apenas dez – o limite de substituições, no Campeonato Nacional, era duas. E Leônidas resolveu dar um descanso para Fischer e Ademir, substituídos por Ferretti e Marco Aurélio. Na saída o craque argentino, autor de dois gols, foi ovacionado pela torcida.
O quinto ponto saiu aos 38 minutos. Zequinha driblou Mineiro e cruzou rasteiro para Jairzinho, que superando a beleza do lance anterior recebeu a bola de costas para Renato e tocou de letra. A esfera entrou devagarzinho, de forma quase cruel, no fundo do gol. E para aumentar a humilhação, a torcida alvinegra passou a cantar "Chega! Chega!" após os 5 a 0. Mas o Botafogo não obedeceu. A três minutos do fim, Marinho Chagas soltou mais um de seus fortes tiros para o gol, e Renato largou nos pés do Ferretti, que só empurrou. Placar final, seis para o Glorioso, zero para o infeliz aniversariante.
A imprensa assim resumiu a partida brilhante do Botafogo: perfeição na defesa, criatividade no meio-de-campo e objetividade no ataque. Já o treinador Sebastião Leônidas, humilde, preferiu elogiar o rival: "Eu não fiz nada de mais, apenas armei o time como na época de Zagallo. Tudo o que sei, aprendi com ele". Tendo explicação ou não, a goleada jamais seria esquecida pelas duas torcidas – e os botafoguenses, provocativos, passaram a levar para os clássicos contra o rival a faixa "Parabéns para vo-6".
== Ficha técnica ==
Quarta-feira, 15 de novembro de 1972
Botafogo 6 x 0 Flamengo – Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã)
Campeonato Nacional de Clubes – 1ª Fase
Botafogo: Cao, Mauro, Waltencir, Osmar e Marinho Chagas; Nei Conceição e Carlos Roberto; Zequinha, Fischer (Ferretti), Jairzinho e Ademir (Marco Aurélio). Técnico: Sebastião Leônidas.
Flamengo: Renato, Moreira, Chiquinho Pastor, Tinho e Rodrigues Neto; Liminha e Zanata (Mineiro); Rogério (Caio Cambalhota) Fio, Humberto e Paulo Cézar. Técnico: Zagallo.
Árbitro: José de Assis Aragão (SP).
Gols: Jairzinho aos 9/1ºT, Fischer aos 35/1ºT e 41/1ºT; Jairzinho aos 23/2ºT e 38/2ºT, Ferretti aos 42/2ºT.
Público: 46.279
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